Lembro-me muito bem que, no começo da minha adolescência, eu era carimbada volta e meia como “agressiva” por, muitas, vezes não me conformar em seguir determinadas ordens que julgava desnecessárias (e eram).
Ao longo da vida, carrego certa fama de geniosa; sempre fui criticada por ser “brava demais”, por “falar demais”, por “ficar brava demais”, por “expôr demais minha opinião”. E se você está passada com essas alegações (afinal, eu tenho consciência da minha carinha de ‘princesa da Disney’), eu aposto como muitas que ainda vão ler esse post vão se identificar com tudo isso que eu disse, pois irão se enxergar nestes carimbos, muito provavelmente.
Bom, e o que isso significa na prática? Que a mulher, desde sempre, foi boicotada de ser quem queria ser. Uma sociedade construída em premissas patriarcais permite que apenas o homem tenha estas posturas supramencionadas. Só o homem pode ser o “macho dominante”, que grita, fala alto, esmurra a mesa. Nós, mulheres, sempre fomos obrigadas a ser delicadas, românticas, calmas. A mulher nervosa era massacrada, envergonhada, não tinha vez, era “louca”.
Ser calma, mansa, submissa e benevolente sempre foram características esperadas de nós e que, no fundo, só tinha um único objetivo: nos calar.
Nos privar de nos revoltar com desigualdade de gênero que, infelizmente, ainda nos assola sob tantos aspectos. Esperar que uma mulher seja o tempo todo calma é tirar dela o direito de se revoltar quando ela deve se revoltar, com toda razão. Já parou para pensar nisso?
A pandemia chegou, o emocional de todo mundo ficou abalado, para não dizer destruído. Mas sabe quem se abalou duplamente, triplamente? Sim: nós, mulheres.
Porque estamos exaustas de carregar conosco a obrigatoriedade de ser clínica terapêutica de pessoas – especialmente, de macho; de ser calma e plácida enquanto o mundo pega fogo; estamos fartas de sermos tábua de salvação e de termos de carregar um semblante quase que puritano porque geramos outra vida, anatomicamente. Estamos fartas, inclusive, de sermos obrigadas a gerar uma vida, mesmo quando não queremos. Porque nós PODEMOS não querer, já que o corpo é nosso.
Quando essa obrigatoriedade de ser o baluarte da calmaria se perpetua, de geração em geração, sem ser quebrada, sobrecarrega demais nosso emocional afetando, adivinha só? Nossa imagem. Além de estarmos duplamente, triplamente sobrecarregadas, isso é automaticamente transferido para nosso semblante.
Mesmo por trás de uma mulher forte, empoderada, existe um semblante cansado de tanta sobrecarga – emocional, afetiva, psicológica.
E quando falo de “imagem”, falo no sentido dos sentimentos que ficam à flor da pele, algo que acontece quando o interno não está bem. Aqui o foco não é o cabelo arrumado, o look bem pensado ou a make em dia e, sim, o emocional que, nessas horas, fica completamente destruído.
As “super heroínas” que vemos nos filmes só é legal para quem se beneficia em cima de alguém que está “dando conta de tudo”.
Mesmo que elas discordem disso, ao ler. Sabe por que? Em algum momento, toda essa oratória opressora que elas reproduzem vão depôr contra elas mesmas. Elas se vêem na mira para a qual elas mesmas apontam.
Cada vez que calamos umas à outras, que repreendemos uma “irmã” (termo de sororidade) em prol de uma cultura machista, estamos esgotando nossas próprias energias para fortalecer algo que já deveria ter acabado há muito tempo.
Sabemos que é um processo, mas, ao mesmo tempo, ainda temos muito o que desconstruir até em nós mesmas. Ainda somos falhas em nossa própria autoanálise. Ainda nos pegamos pensando onde podemos melhorar para “sermos ideais” quando, na verdade, a única coisa que precisa melhorar aí é nossa autocobrança excessiva.
Uns anos atrás, eu tive uma sogra que nunca hesitou em me culpar por todos os erros dentro do meu antigo (e falido) relacionamento com o filho dela. O filho dela, com quem namorei, era um completo “zé ruela”, sabe? Pra falar o “português claro” e os termos coloquiais que bem cabem no contexto.
Daqueles que sempre arrumava desculpa para não trabalhar; que só queria saber de sair com os amigos pra beber e fumar um “baseado esperto”. Estudar então, nem pensar (nem curso grátis), isso quando ainda não me colocava uns galhos na cabeça – que, assim como em muitas relações por aí, aconteceu aquele clichê de eu só descobrir depois do término sobre a “condecoração”.
Eu sou uma pessoa fácil? Admito que não. E nem deveria, ainda mais com um cara desses, né!? Cada hora ele fazia uma merda nova, que me deixava put@ da vida (como bater papinho em chat com ex ou ver foto e vídeos vazados na internet de mina pelada), então era óbvio que saía briga. E sabe o que eu ouvia da mulher que deveria me apoiar e repreender o filho vagabundo? “Que eu estava sempre brava”, “que eu era muito difícil”, “que uma hora o filho dela ia se encher de mim”, “que eu ainda tinha muito o que aprender”. Como se namorar um cara vagal e que me corneava fosse sinônimo de ganhar na loteria do amor, né!? Kkkk.
Ela, inclusive, chegou a me culpar por uma briga que ele e o irmão tiveram, para você ter ideia do nível de opressão a que uma mulher pode chegar em relação a outra. Briga esta que não havia sido a primeira e que já ocorrera de modo bem mais grave em uma outra época, em que eu nem sonhava em conhecer essas ‘peças’.
Ela tinha a pachorra de acompanhar meus posts no blog, no facebook e em todas as redes sociais, porque no fundo ela sabia que o filho pisava na jaca e que eu, fatalmente (imatura na época) postaria alguma indireta sobre ele – e é claro que ela via nisso mais uma oportunidade de me repreender, algo que ela fez por muito tempo (mais precisamente por quase 2 anos de relacionamento péssimo ao qual me submeti).
O pior de tudo isso? É que eu me culpava. Mesmo sem entender o sentido de toda repreensão e, mesmo me revoltando, me sentia culpada por não ter o apoio dela e por ser tão julgada e repreendida o tempo todo – por ela e por outras mulheres conhecidas daquele antigo e infeliz convívio.
Mas, graças a Deus e à minha autoestima, isso tudo ficou no passado. Hoje, só serve mesmo de lição e de referências negativas – sobre o que eu NÃO quero, nem em um namorado/noivo/marido, nem em uma sogra. Glória.
E por que eu exemplifiquei o assunto desse post com essa ‘breve triste-história’ no parágrafo anterior? Porque eu quis mostrar pra você, que está aí do outro lado, como ainda há muitas mulheres que colaboram para essa opressão da “imagem de boa moça”, ainda em tempos atuais.
Eu mesma, quando ainda engatinhava com meus ideais feministas uns anos atrás, ainda me sentia mal e envergonhada de quem eu era, sem razão nenhuma, por conta dos julgamentos de pessoas machistas (incluindo homens e mulheres). É preciso muito exercício de autoconhecimento e muita autoestima, ambos trabalhados diariamente, para evitar cair nestas ciladas. Por muito tempo eu ainda caí.
O fato é que estas pessoas, que ainda alimentam esse pensamento retrógrado, dificilmente irão mudar. E a intenção desse post e de tantos outros nem é que elas mudem. O que pode mudar, na verdade, é o coletivo – se nós, que estamos aptas a desconstruir estes pensamentos patriarcais, espalharmos essa ideia, assim como faço agora.
É não se calar diante da opressão; não se intimidar ou deixar de ser quem se quer ser, por medo do que vão pensar ou falar de você/ pra você. Não deixe seu emocional ser minado por mentalidades reacionárias e cruéis, que perpetuam, muitas vezes, alimentadas pela insegurança do(a) próprio(a) opressor(a).
Se reagirmos a isso, uma hora, isso pára de existir. Porque não há lugar para o opressor se não existir mais oprimido.
NINGUÉM TEM OBRIGAÇÃO DE SER BOAZINHA O TEMPO TODO, ESPECIALMENTE COM PESSOAS TOSCAS. PRINTA E SALVA ISSO.
No mais, encerro esse post indicando essa publicação de instagram da maravilhosa Clara Fagundes, especialmente a parte que ela fala que “às vezes, é preciso sustentar o climão”, que reforça e resume muito do que discorri aqui nesse post.
Beijos e até o próximo textão!
Marcéli
Me chamo Marcéli Paulino, nascida em 16 de Julho de 1988, e sou bacharel em Tradução e Interpretação, curso que iniciei com 17 anos! Um pouco antes de me formar, já me interessava muito por moda e sabia que queria estudar e atuar na área. Então, assim que peguei meu diploma, foi o que fiz: procurei formações na área, que era meu sonho…